terça-feira, 1 de novembro de 2016

Riqueza e Felicidade

"Aquele que mais goza da riqueza é o que menos necessita dela"
"Queres ser rico? Pois não te preocupes em aumentar os teus bens, mas sim 
em diminuir a tua cobiça."
"A riqueza que é conforme à Natureza tem limites e é fácil de encontrar, mas a imaginada pelas opiniões vãs não têm limites e é difícil de adquirir."
"Os insensatos nunca estão satisfeitos com o que têm, mas afligem-se com o que não têm. Eles ficam inchados de orgulho na prosperidade, mas abatidos na adversidade."
"A quem não basta pouco, nada basta."
Frases atribuídas a Epicuro.



Epicuro pregava e vivia um estilo de vida simples, buscando garantir pelo trabalho o que fosse necessário e evitando se envolver com causas potenciais de perturbação. Ele adquiriu um Jardim em Atenas, e dentro desse Jardim, junto com seus discípulos, ele cultivava alimentos para a sua subsistência e da sua Escola. Ele não ambicionava grandes riquezas e não tentou estabelecer sua Escola com o apoio de pessoas poderosas. Pelo contrário, ele evitava o envolvimento com o poder e a política.

Epicuro via os bens materiais como causas importantes de perturbação e infelicidade para o homem. Era considerado justo que o ser humano lutasse e trabalhasse para assegurar sua sobrevivência e satisfazer suas necessidades básicas (comida, abrigo, companhia, remédio para o corpo e filosofia para a alma) e da forma mais livre possível. Porém, ele considerava contraprodutivo o trabalho voltado para a aquisição de bens supérfluos: comidas refinadas, roupas caras, jóias, muitos servos e escravos (ele tinha poucos, e os tratava bem, até lhes ensinava), muitas riquezas acumuladas, além de prestígio, fama, poder, sucesso etc. Os problemas de tentar alcançar essas coisas são esses: elas não são necessárias; elas motivam a competição e o conflito; os indivíduos põem a si mesmo e aos bens que já possui em risco para obtê-las; e, uma vez obtido, o indivíduo precisa se esforçar para que o bem conquistado não se perca ou lhe seja tomado. Tudo isso gera ansiedade, insegurança e sofrimento ao indivíduo, dificultando sua busca pela felicidade.

Isso quer dizer que Epicuro era contra a riqueza? Não exatamente. Epicuro era contra o amor pela riqueza, um amor que motiva o homem a causar mal a si mesmo e ao próximo. O modo de vida epicurista não exclui a possibilidade de o indivíduo ser trabalhador, produtivo e acumular riquezas. Isso na verdade é até bom, pois livrará a pessoa e seus entes queridos de muitas necessidades. Mas quando alguém tem consciência que não precisa acumular riquezas para ser feliz, ele não tem motivos para ser ganancioso, avarento nem para tentar enriquecer de modo desonesto ou às custas de outras pessoas.

Essas afirmações ficariam muito vagas se eu não apresentasse exemplos concretos. Como eu não sou rico (ainda), irei apresentar um exemplo de pessoa rica que conseguiu associar riqueza com felicidade: Sílvio Santos. Esse homem, filho de imigrantes nascido no Rio de Janeiro, conseguiu construir um império no setor de telecomunicações do Brasil, o que atualmente conhecemos como canal SBT, e é conhecido por distribuir muitos prêmios aos seus espectadores. Eis um vídeo dele, de 1988, no qual ele expõe o que parece ser sua filosofia de vida, ao mesmo tempo em manda um recado a um colega de profissão, Roberto Marinho:


Ele fala sobre os prós e os contras de se administrar uma família e uma empresa e sobre o que é necessário para o ser humano (emprego, casa, comida, médico, escola para os filhos). Também questiona a ambição e a cobiça perante à perspectiva de uma vida que inevitavelmente acaba. Esse vídeo foi gravado há quase 30 anos, mas tudo indica que Sílvio não mudou nesse aspecto e continua sendo uma pessoa digna e respeitável. A filosofia que ele expõe é um exemplo de sabedoria universal que transcende qualquer limite de dogmas, religiões ou convicções pessoais. É uma filosofia prática e ao mesmo tempo simples, como Epicuro procurava ensinar e seguir. E tanto as palavras de Sílvio, como suas atitudes nos mostram que a riqueza e a fama não são obstáculos para a felicidade humana nem para a construção de um ser humano preocupado com o bem-estar do seu próximo. Basta não se deixar dominar por isso e saber reconhecer o que verdadeiramente é importante.

Até breve.

Fonte: Entrevista com Epicuro, de Válter Borges

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Os Quatro Remédios: parte 1

O primeiro remédio para a cura da alma e para a busca da felicidade é:
"Não tema os deuses".

Antes de mais nada, devemos revisar o conceito de deuses de Epicuro. Epicuro viveu na Grécia Antiga, que era politeísta, e ele criticava as crenças religiosas de seu povo, que acreditavam que os deuses eram muito poderosos, estavam presentes em praticamente todos os fenômenos naturais, eram interessados em sacrifícios e orações e possuíam qualidades e defeitos humanos, como raiva, inveja, luxúria e cobiça. Epicuro se opunha a essas crenças, por duas razões: elas não seriam compatíveis com a realidade; elas teriam impactos negativos sobre a vida e a felicidade dos homens.

Sobre o primeiro ponto, qual a realidade relativa aos deuses? Antes de mais nada é preciso saber se eles existem. Se não existirem, não há necessidade de maiores debates. Só que Epicuro não falou contra a existência dos deuses, e seus ensinamentos consideram fortemente a possibilidade de que eles existem. E na verdade essa seria a postura mais prudente em relação ao assunto, visto que não há forma de se afirmar com segurança a não-existência de Deus, ou deuses. Para Epicuro, teríamos conhecimento dos deuses porque eles, de alguma forma, conseguem gerar uma impressão, uma prolepse, em nossa mente, em nossa alma. Essa impressão seria muito sutil para ser detectada diretamente pelos órgãos dos sentidos, mas mesmo assim seria notada e geraria uma vaga imagem sobre os deuses, uma imagem presente na mente de grande parte da Humanidade e de alguma forma reconhecível por ela. Essa seria uma possível explicação para o fato de a crença em seres divinos ser tão difundida entre os homens, embora não seja a única nem seja definitiva,

Para Epicuro, qualquer ser que possua inteligência e que não esteja sujeito à morte (pelo menos não da forma como o ser humano está sujeito) pode ser considerado um deus (isso incluiria anjos, orixás, espíritos e outros seres mitológicos). O termo que mais se adequa a essa descrição, se pararmos para pensar, é imortal. Epicuro considerava que os deuses de fato existem, e ao contrário dos seres humanos eles vivem em condições que os tornam praticamente imortais. Assim, eles não seriam afligidos pelo medo da morte, nem pela dor (que é basicamente uma resposta à fatores ameaçadores à vida), e seriam seres extremamente felizes. Como qualquer coisa existente no Universo, seriam formados por átomos em movimento, de forma que eles não são superiores à Natureza nem separados dela, antes fazem parte dela. Não teriam criado o Universo, mas surgido dentro dele, e não teriam poderes excepcionais, como os humanos costumam acreditar. De fato, Epicuro considera perfeitamente possível existir seres potencialmente imortais, mas não acreditava na existência de seres com poderes capazes de sobrepujar as leis naturais. Então, para resumir, Epicuro acreditava que os deuses eram seres potencialmente imortais porém sujeitos às leis da Natureza. Se os deuses forem como Epicuro os descreveu, tais seres não representam ameaça ao ser humano pelas seguintes razões:

- Muitos dos deuses adorados pelos homens não existem: deuses podem ser propositalmente criados pelas classes dominantes para incutir medo no povo e dominá-lo. Podem ser criados de modo inconsciente a partir de fenômenos naturais que erroneamente são atribuídos à uma causa inteligente. Podem ser derivados de personalidades que de fato existiram, mas que eram simples humanos. Assim como podem ser baseados em deuses presentes em outras culturas. Ver o exemplo de Serápis, uma divindade que foi criada no governo de Ptolomeu III, que se estendia sobre egípcios e gregos, e que era uma mistura de deuses das duas culturas, em uma tentativa de reforçar o domínio sobre esses povos. Muitos desses deuses possuem qualidades que são incompatíveis com uma criatura divina, como veremos a seguir.

- São extremamente felizes: esses seres não precisam dos homens para viver. Sendo totalmente independentes do homem, não possuem razão para nos ferir nem exigir nada de nós. Nada ganham com nosso sofrimento, nem ganham com oferendas e sacrifícios. Também não são acometidos por paixões humanas, como raiva, inveja, cobiça, luxúria, ciúmes, rancor e sede de poder. Tais sentimentos só podem existir em seres fracos, altamente sujeitos à morte e ao sofrimento, como os humanos. Deuses que são acometidos por tais qualidades muito provavelmente são fictícios, ou distorções derivadas de deuses reais.

- Eles não interagem conosco: manifestações divinas não são coisas comuns, pelo contrário, são na prática inexistentes. Os fenômenos naturais, que muitos interpretam como manifestações divinas (por exemplo o fogo, a chuva e o raio), são perfeitamente explicáveis do ponto de vista científico e não podem ser usados para demonstrar a ação divina. A ciência dos dias atuais avançou muito nesse sentido, mas já na Antiguidade houve tentativas de dar explicações racionais a esses fenômenos (o poema "A Natureza das Coisas", de Lucrécio, baseado nos ensinamentos de Epicuro, faz uma compilação de explicações de fenômenos naturais relacionadas aos movimentos dos átomos). Manifestações que inequivocadamente poderiam ser atribuídas aos deuses seriam as aparições em público (visuais ou auditivas, por exemplo) e manifestações de poder sobrenatural, que não poderiam ser explicadas pelos conhecimentos científicos atuais. Os relatos antigos de manifestações divinas, infelizmente, não são confiáveis, visto que os relatos podem ter sido distorcidos com a passagem do tempo. E nos tempos atuais, as manifestações que temos no presente momento ou são passíveis de explicação naturalista ou são fraudulentas. Há também muitos casos de pessoas que afirmam ser manifestações divinas, mas que não possuem nenhum atributo que possa ser exclusivamente atribuído à divindade (carisma e inteligência são qualidades humanas, e esse tipo de gente pode ou não ser má-intencionada). Então, das duas uma: ou os deuses não querem interagir conosco ou sequer são capazes de fazê-lo.

- Eles estariam longe: uma das possíveis razões para os deuses não conseguirem interagir com o homem é que eles viveriam em uma região do Universo diferente da nossa. Para Epicuro, essa região seria o Metakosmia, ou Intermundos, o espaço sideral, que fica entre os mundos habitados (sim, os epicuristas acreditavam na existência de vida em outros mundos). Uma região muito distante do mundo humano, talvez até inacessível. Nessa região, os átomos ou as leis da natureza ou algum outro aspecto da realidade seriam tais que permitiriam a existência de uma vida inteligente e imortal, como os deuses. É provável que, se os deuses habitassem mesmo uma região do Universo como essa, eles não teriam a capacidade de deixar essa região, ou que deixar essa região fosse perigosos ou lhe causasse sofrimentos e por isso eles evitassem sair de lá.

- Eles não seriam capazes de interagir com o homem: outra razão para os deuses não atuarem em nosso mundo. Se os deuses de fato habitam uma região com leis diferentes das do nosso mundo, ou são compostos por uma matéria diferente da nossa, é possível que eles não sejam capazes de atuar no nosso mundo ou a sua atuação em nosso mundo seja muito limitada. Nesse caso, eles não teriam capacidade para intervir em nossas vidas, nem para pior, nem para melhor, ou suas intervenções fossem muito fracas e pouco significativas. Isso se os seus órgãos dos sentidos forem capazes de apreender as sensações geradas pelos corpos terrenos. Eles podem muito bem serem "cegos", incapazes de perceber o que acontece em nosso mundo.

- Eles não querem interagir conosco: Os deuses vivem em uma realidade na qual podem ser plenamente felizes. Ao virem para o nosso mundo se deparariam com uma série de males e sofrimentos. Se não forem capazes de intervir, ficar aqui os forçaria à uma contemplação indigesta e inútil. Para Epicuro, nenhuma criatura inteligente se sujeitaria à tal contemplação. Não podendo intervir, eles retornariam ao Metacosmos, para viverem as suas vidas sem outras preocupações.

Se os deuses de fato existirem, e forem de fato capazes de intervir nas vidas humanas, então as pessoas deveriam adorar apenas os deuses bons e fieis, apenas os deuses que cumprem os acordos que fazem com os homens, cuja adoração renda bons frutos e que atuam de forma transparente, dando sinais inquestionáveis do seu poder. E só deveriam recorrer aos deuses para alcançar coisas que não podem ser alcançadas com o esforço humano, e tentar agir da forma mais independente possível, para não entrar em débito com esses seres. Isso é a minha opinião.

Epicuro, usando-se da ciência que dispunha na época (que era ainda fraca), tenta mostrar aos homens que não havia razões para os deuses serem temidos. Mas ele não faz isso por um mero interesse científico ou filosófico. Ele se preocupava com os efeitos práticos das crenças errôneas nos deuses. Essas crenças (chamadas genericamente de superstição) contituiriam em obstáculos para a busca da felicidade. Eis as consequências da superstição, e os porquês dela precisar ser combatida:

- Pessoas supersticiosas (com crenças errôneas sobre os deuses) podem abrir mão de prazeres simples e se sujeitar à dores e sofrimentos, inclusive se prejudicando e passando por necessidades, na busca de recompensas que na verdade nunca receberão.

- Pessoas supersticiosas tomam decisões baseadas em presságios sem significado concreto, premonições sem fundamento e orientações de líderes espirituais, muitas vezes ignorando seus sentidos, seus sentimentos, experiências prévias, os conselhos de entes queridos e amigos e a razão. Agindo de forma incoerente com a realidade, correm o risco maior de tomar decisões erradas e se prejudicarem.

- Pessoas supersticiosas são passíveis de exploração por autoridades espirituais e por autoridades terrenas que elas sancionam. E essa exploração vai desde a exploração econômica, exploração social, até a exploração mais grave de todas, que é a exploração militar.

- O medo constante dos deuses faz com que eles dediquem muito tempo e energia em esforços para apaziguá-los, tempo e energia que poderiam ser melhor aproveitados na busca por seus interesses. e necessidades. Além disso, o medo e a culpa de origem religiosa pode ser pernicioso, sendo desencadeado por causas banais mas difícil de se remover.

- O medo dos deuses pode reforçar o medo da morte, pelos castigos que poderiam sucedê-la. Como a morte é algo que atinge todos os seres humanos, promover o medo dela geraria um grande sofrimento coletivo, e causaria infelicidade. Epicuro acreditava que a morte não precisava ser temida, porque traz consigo a impossibilidade de sofrer. Falarei melhor do medo da morte em outro post.

- Fervor religioso é uma causa importante de animosidade entre as pessoas. O preconceito religioso contra pessoas que não se conformam às regras religiosas defendidas por indivíduos e grupos sociais motivam ações que ferem direta e indiretamente pessoas inocentes, nos casos mais graves levando à morte.

Se uma crença religiosa promove a felicidade do indivíduo, uma boa convivência com outras pessoas e traz prosperidade para a sociedade, então ela é boa, mesmo que seja errônea. O problema de uma crença boa mas errônea é que a base dela é frágil, e pode ser solapada pelo peso de evidências concretas, ameaçando os bons frutos por ela gerados. Assim, é importante que as pessoas procurem bases sólidas e coerentes para fundamentar bons comportamentos, pois estas bases resistirão muito mais às exigências da realidade, além de poderem ser avaliadas de modo objetivo e adotadas por pessoas que possuem opiniões e crenças diversas, o que inevitavelmente acontece em uma sociedade.

Epicuro aconselhava seus discípulos que fossem reverentes aos deuses que ele ensinava, não para se obter bênção ou proteção, mas para que se inspirassem neles como modelos de seres felizes. Epicuro não atacava diretamente a religião do seu povo. Ele inclusive encorajava a participação nos cultos públicos, e ele próprio teria participado de cerimônias religiosas. Talvez porque, na época dele, contestar o culto aos deuses fosse algo muito perigoso ou improdutivo (como é em muitos lugares mesmo nos dias de hoje). Um epicurista não precisa se preocupar com a crença religiosa dos outros, desde que essas não causem prejuízos claros a eles e aos outros. Antes de se preocupar com os outros, deve se preocupar consigo mesmo e acreditar em coisas que sejam coerentes e o tornem uma pessoa feliz.

Resumo:
- Deuses, caso existam, são seres praticamente imortais, de modo que não temem a morte, não são afetados pela dor da forma que os seres mortais são e não possuem fraquezas.
- Via de regra, os deuses não interagem conosco. Não há evidências suficientes que apontem o contrário. Então devemos agir de forma independente deles, considerando que eles não nos ajudarão, e confiando em nós mesmos e em nossos companheiros para resolver nossos problemas e buscar a felicidade.
- Se os deuses forem de natureza muito diferente da nossa (o que explicaria sua imortalidade) ou estiverem muito distantes,  pode faltar a eles a capacidade e os meios de interagir conosco.
- Se não necessitam de nós para serem felizes ou nada ganham conosco, pode faltar aos deuses motivos para interagir conosco, de modo que não desejarão responder à oferendas e orações, nem terão motivos para nos ferir ou fazer mal.
- Porém, se for demonstrado que os deuses ganham algo com os homens, deveremos apoiar apenas os deuses que se mostrarem bons ou úteis para nós, e resistir à ação dos deuses ruins. Ou seja, devemos avaliar o culto aos deuses com critérios práticos e objetivos. Assim, afastaremos de nós os deuses maus e fortaleceremos os deuses bons (minha opinião, não há nada na doutrina epicurista que apoie esse ponto de vista).
- Se for demonstrado que os deuses nada perdem ao agirem sobre os homens, isso significará que eles, se agirem de forma consciente, nada farão para nos prejudicar, e só agirão em nosso benefício, o que seria uma notícia animadora (minha opinião). Afinal, um ser inteligente com uma felicidade inabalável não tem razão para causar sofrimento para outros seres, antes fará o possível para fazê-los felizes também.
- A superstição (crença errônea em deuses e forças sobrenaturais) é que é ruim, e não a religião. Devemos ser tolerantes com as religiões dos outros, desde que estas sejam tolerantes conosco e boas para os indivíduos e a sociedade.

Citações de Epicuro:

"Em primeiro lugar, considerando a divindade como um ente imortal e bem-aventurado, como sugere a percepção comum de divindade, não atribuas a ela nada que seja incompatível com a sua imortalidade, nem inadequado à sua bem-aventurança; pensa a respeito dela tudo que for capaz de conservar-lhe felicidade e imortalidade.

Os deuses de fato existem e é evidente o conhecimento que temos deles; já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses, ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os maiores benefícios aos bons. Irmanados pelas suas próprias virtudes, eles só aceitam a convivência com os seus semelhantes e consideram estranho tudo que seja diferente deles (Carta a Meneceu)"

"É inútil pedir aos deuses aquilo que podemos encontrar por nós mesmos."

"Se os deuses costumassem atender à orações os homens rapidamente pereceriam, pois esses vivem a desejar o mal um do outro".

Isso conclui minha postagem sobre o primeiro remédio. Em breve postarei sobre os demais remédios.

Até breve.

Fonte: Mauro: Epicurismo e Religião (doc)

Os Quatro Remédios: Introdução

"Não tema os deuses
Não tema a morte
O que é bom é fácil de alcançar
O que é ruim é fácil de suportar"
Philodemus, filósofo epicurista.

Para os epicuristas, esses quatro princípios representam as principais condutas para a cura da alma: ao livrar do medo e da ansiedade, e ensinar o que é bom e ruim, esses remédios tornariam possível aos homens conhecer o que é a felicidade e trabalhar para alcançá-la.

Vou fazer uma postagem separada para cada um dos remédios, resumindo o que conheço da doutrina epicurista e expressando também minha opinião pessoal do assunto.

Parte 1: Não tema os deuses

Parte 2:

Parte 3:

Parte 4:

(Símbolo que criei para representar o tetrapharmakon. A letra delta (o triângulo que constitui a parte externa do símbolo) era usada pelos gregos para representar o número 4. A letra phi (no centro), é a letra inicial da palavra phármakos, além de ser o símbolo da Filosofia (o que é deveras conveniente).


segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Metafísica epicurista

Epicuro é conhecido por ensinar o atomismo, baseado nos ensinamentos de Demócrito. Esse atomismo possui pouca correlação com o atomismo atual, visto que naquela época não se dispunha da ciência necessária para examinar o problema e comprovar essa teoria. Porém, baseado nessas teorias, Epicuro buscava estabelecer um sistema filosófico que, através do estudo da natureza, pudesse orientar o ser humano na busca pela felicidade e pudesse fornecer diretrizes para o seu comportamento e sua interação com outros seres humanos. Pois, ele entendia que um conhecimento constituído por fatos não observáveis ou não comprováveis constituiria uma base frágil e questionável para instituir um modo de vida ou estabelecer padrões éticos e de conduta.

Os antigos elaboraram várias teorias sobre a origem do Universo e da matéria que o constitui. Fora as explicações fornecidas por mitos e religiões, vou mencionar os pensadores e filósofos que tentaram dar uma explicação racional para essa questão. Tales de Mileto acreditava que o Universo era formado por água. Anaxímenes de Mileto acreditava que a matéria básica era o ar. Havia os que acreditavam nos quatro elementos, água, terra, fogo e ar, como Empêndocles. Alguns, como Aristóteles, mencionavam um quinto elemento, o éter. Os chineses falavam de cinco elementos distintos da tradição européia: água, fogo, terra, madeira e metal. A doutrina Samkhya, falava dos três gunas, ou qualidades, que constituiriam os cinco elementos materiais. E havia aqueles que atribuíam a origem do Universo à coisas imateriais.  Aristóteles, além dos cinco elementos, também falava do "primeiro motor", a força que teria dado início a todos os movimentos do Universo. Anaximandro falava no arché, a fonte de todas as coisas, infinita em si mesma e indescritível em termos materiais. Platão falava do mundo das idéias, que constituiria a natureza fundamental do Universo e do qual o mundo em que vivemos seria uma representação imperfeita. Os chineses acreditavam no qi, ou força vital. Os exemplos são inúmeros.

Os atomistas (sendo o mais conhecido por nós Demócrito), porém, ensinavam que o Universo era formado por pequenas unidades fundamentais, os átomos. Os átomos teriam grande variedade entre si, não poderiam ser destruídos e existiriam no Universo em uma quantidade inumerável. Situados no espaço vazio, eles estariam em constante movimento e os corpos e fenômenos do Universo seriam gerados pela movimentação, colisão, união e separação desses átomos.

O conceito que mais se destaca nessa doutrina atomista é de que todos os corpos são constituídos de átomos, de modo que não se permite a existência de entidades imateriais. Se existe, deve ser formada por algo (átomo), a única coisa que não é formada por algo é o nada (vazio). De modo que não há uma causa imaterial para o Universo. E entidades que julgamos ser imateriais (como os deuses e a alma) são na verdade formado por átomos também. Para Epicuro, a alma era um ser material, formada por uma matéria diferente da matéria corpórea, porém intimamente associada ao corpo, de modo que o que afeta o corpo afeta a alma e vice-versa. Corpo e alma estão tão intimamente ligados um ao outro que a morte do corpo resulta na destruição da alma, o que faz com que, do ponto de vista físico, a sobrevivência da alma após a morte seria impossível. Epicuro então não acreditava na vida após a morte, e atribuía os fenômenos da alma (psiquê) à causas totalmente físicas. Isso sem saber nada sobre anatomia ou fisiologia do sistema nervoso (ele acreditava que a alma habitava o peito, como muitos de sua época). Porém, para ele, era muito mais provável a extinção da alma após a morte do que a sua sobrevivência. De modo que ele reprovava qualquer ensinamento que incutisse o medo da morte nas pessoas, como os castigos divinos após a morte. Ele teria se oposto à crença platônica de reencarnação em formas inferiores de vida para os que cometiam maldades (embora não haja nenhum documento da sua época atestando isso). Importava para Epicuro que o homem vivesse despreocupado com a sua morte e não fizesse nem deixasse de fazer nada motivado pelo medo do que se sucederia à ela.

Quanto aos deuses, Epicuro também ensinava que eles eram formados por átomos. Seriam inteligentes como os humanos, mas, ao contrário deles, seus corpos são constituídos de tal forma que eles são capazes de viver por muito mais tempo, sendo na  prática imortais. Como no nosso mundo não podemos observar diretamente tais seres, eles devem viver em outra região do Universo, que Epicuro chamou de Intermundos. Portanto, eles não seriam responsáveis pelos fenômenos que ocorrem no nosso mundo, explicáveis de modo racional pelo exame da natureza. É provável que eles nem possam entrar em contato direto conosco, o que faria da adoração à eles algo inútil. Além disso, esses seres, devido à sua natureza especial, não padecem das necessidades que nos afligem, nem são acometidos por medos ou inseguranças. Assim, eles são extremamente felizes, não tendo interesse em nos causar sofrimento, nem tendo qualquer ganho com adorações e sacrifícios.

Mas não é com esses deuses que Epicuro está preocupado. Epicuro atacava as crenças nos deuses que existiam entre o povo, que os via como seres perturbados, irascíveis, acometidos por diversas paixões, manipuláveis por meio de rituais e subornáveis com oferendas. Isso geraria nas pessoas um medo sem fundamento, que só servia para gerar ansiedade e as tornavam susceptíveis à superstições e ao charlatanismo. Além do que, uma conduta que Epicuro atacava abertamente era a tendência que as pessoas tinham de pedir aos deuses por coisas que podiam ser conquistadas com o esforço humano. Essas eram consequências negativas da crença infundada nos deuses, que Epicuro queria que seus discípulos evitassem.

Alguns estudiosos afirmam que Epicuro não pregava contra a existência dos deuses para evitar represálias. Mas é provável que Epicuro tenha ensinado sobre a existência de tais seres simplesmente porque não conseguia ignorar o fato de a crença nesses seres ser tão presente entre os humanos. Ele teria passado aos seus alunos instruções para que respeitassem as crenças religiosas do povo grego, e inclusive teria participado de festivais e outras cerimônias religiosas. Para ele, bastava que o indivíduo não temesse os deuses, para que isso não atrapalhasse a sua felicidade. Porém, muitos de seus seguidores teriam sido ateístas. Inclusive, um argumento famoso contra o teísmo é chamado de Paradoxo de Epicuro (embora tudo indique que não tenha sido Epicuro o criador desse paradoxo). De fato, a crença nos deuses é totalmente dispensável para o ensino epicurista.

Essa visão sobre a natureza (Física ou Fisiologia) era o fundamento do pensamento epicurista. E não temer os deuses, nem temer a morte, fazia parte do "tratamento" prescrito por Epicuro para combater a felicidade (o tetraphármakon, ou remédio quádruplo). Isso será o tema de outra postagem.

Até breve.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Redução de danos

"Há prazeres que quando satisfeitos levam à dores maiores". Advertência epicurista.

A redução de danos (RD) é uma abordagem ao usuário de drogas para minimizar os danos causados pela substância consumida. Ela visa, entre outras coisas, encorajar a reinserção do usuário na sociedade, familiarizá-lo com os serviços de saúde e educá-lo sobre os efeitos da droga consumida, permitindo o desenvolvimento de estratégias acessíveis mas eficazes para reduzir o consumo e preparando-o para um tratamento que possa levá-lo à cessação do consumo. A RD também pode ser utilizada para outros tipos de comportamento de risco, como a promiscuidade sexual (Ver aqui).

Alguns críticos da RD afirmam que essa abordagem poderia passar ao usuário uma falsa impressão de que o uso de drogas pode ser seguro, ou afirmam que tal estratégia tornaria o uso de drogas mais aceitável pela sociedade, e que a única abordagem correta para o problema é a abstinência total. Antes de mais nada, é pouco prático, em um primeiro momento, exigir de um usuário inveterado abstinência total, isso só geraria mais resistência ao tratamento. Segundo, a RD tem por objetivo final a abstinência. Terceiro, a redução de danos tem um efeito de reduzir o consumo de drogas com o tempo. Um exemplo disso é um estudo feito na Suíça, com usuários de heroína (The Lancet). Quarto, ela não se aplica à crianças e adolescentes, que possuem capacidade de julgamento limitada em comparação aos adultos, nem se aplica à gestantes e situações em que os riscos causados pela droga são muito altos. E, por fim, o tratamento de redução de danos prevê que o usuário deve ter acesso garantido à outras abordagens, como a oferta de tratamentos que reduzam o desejo de consumir a droga ou reduzam os efeitos da abstinência. Em último caso está previsto a internação involuntária.

Citando trechos da Política Nacional Sobre Drogas do Brasil (pág 65), para que não haja dúvidas: "Buscar, incessantemente, atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso
de drogas ilícitas e do uso indevido de drogas lícitas";"Não confundir as estratégias de redução de danos como incentivo ao uso indevido de drogas, pois se trata de uma estratégia de prevenção."

Observação: recomenda-se que os programas de redução de danos estejam ligados à instituições de saúde e sejam informados previamente às autoridades locais, para evitar problemas com a lei.

Eis algumas das recomendações feitas por programas de redução de danos:

- informar-se sobre a substância consumida, seus efeitos colaterais e os sinais de intoxicação aguda/overdose.

- Manter-se bem alimentado e hidratado, e fazer uma refeição antes de consumir substâncias

- consumir água durante o uso de substâncias, principalmente de substâncias com efeito diurético, como álcool e ecstasy.

- Não consumir drogas no horário de dormir, nem antes ou durante o trabalho, nem enquanto dirige.

- Não compartilhar materiais usados no consumo de drogas. No caso de drogas injetáveis, usar só material descartável (alguns programas de RD inclusive fornecem gratuitamente esses materiais), limpar bem o local da injeção, para evitar infecções, e injetar lentamente para evitar overdose.

- Dar preferência às formas orais ou em adesivos. Evitar o consumo de inaláveis (fumados) e injetáveis.

- Em caso de fumos e inaláveis, usar dispositivos com filtro (como cachimbos)

- A fissura é um desejo súbito e muito intenso de consumir a droga novamente. Sabendo que a fissura possui apenas minutos de duração, fazer o possível para resistir ao  desejo até que ele cesse.

- Carregar sempre consigo documentos para identificação e um cartão informativo com endereço, nome de familiares e telefones para contato em caso de emergência.

- Evitar usar drogas durante períodos de sofrimento emocional. Nessas ocasiões duas coisas podem ocorrer: a droga cessa os sentimentos ruins e gera bem-estar, reforçando a dependência; ou o usuário passa a ter sintomas desagradáveis e intensos (bad trip), podendo desencadear um surto psicótico, agressividade e mesmo tentativas de suicídio.

Além dessas recomendações, há outras recomendações que podem ser feitas aos usuários (algumas dessas são baseadas em opinião própria):

- Evite consumir drogas sozinho. Estar em grupo encoraja atividades coletivas que podem distrair a pessoa do desejo de consumir a substância. E se os companheiros forem conscientes, regularão o uso abusivo e intervirão em caso de algum problema provocado pelo uso.

- Se o consumo não está gerando sensação prazerosa, ou exige doses muito altas para obter o mesmo efeito, é sinal que o consumo está muito frequente ou as doses estão muito elevadas. Tendo consciência disso, aumente o intervalo de consumo e reduza a dose consumida.

- Interrompa o uso se não estiver obtendo mais sensações prazerosas. Isso é sinal de que a droga  não tem mais nada a lhe oferecer.

-  Sintomas de abstinência são outro sinal de alerta para dependência. Se isso ocorrer, faça de tudo para controlar esses sintomas, menos consumir a droga novamente. Procure ajuda médica, se preciso.

-  Empobrecimento de repertório (isto é, começar a consumir materiais de qualidade inferior ou em circunstâncias inadequadas) é outro sinal de alerta. Mantenha o padrão de consumo o mais elevado possível, se não com o material, pelo menos com as circunstâncias de consumo, e adira às práticas de redução de danos.

- Jamais tente consumir outra droga diante de sintomas de abstinência ou na ausência da droga usualmente consumida. É comum traficantes dizer que as drogas possuem o mesmo efeito, ou que uma droga suprirá a ausência de outra. Isso é só uma estratégia para introduzir o usuário à drogas de maior poder viciante, e pode provocar a dependência à mais de uma substância.

- Evite todas as circunstâncias, objetos e, se preciso for, pessoas que façam você lembrar ou possam incentivá-lo a usar a droga.

- Evite o cheiro, o toque, a primeira tragada, o primeiro gole. Eles provocam fissura.

- Tome banho e lave as roupas depois do uso, para se desfazer do cheiro da droga em suas roupas. Se o cheiro ficou impregnado na roupa e não pode ser removido, jogue-a fora.

E, recordando mais uma vez Epicuro: "o que é bom é fácil de se obter; o que é mal é fácil de se suportar". Precisamos de muito pouco para viver e ser feliz. As drogas são opções muito insensatas e limitadas diante de tantas opções que temos para desfrutar a vida.

Até breve.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Teogonia- o alvorecer dos deuses

Esse post não tem correlação direta com o Epicurismo. A partir dos ensinamentos de Epicuro sobre os deuses, combinando com alguns mitos antigos e modernos, resolvi escrever um post descrevendo os deuses e suas origens (Teogonia). O relato aqui é fictício, qualquer semelhança com a realidade é coincidência. Ou não.

"Depois de aceitar o deus como o ser imortal e bem-aventurado descrito pela opinião popular, nada mais lhe atribuas que seja estranho à sua imortalidade ou à sua bem-aventurança, mas antes acredita acerca dele seja o que for que possa sustentar a sua imortalidade bem-aventurada. Os deuses existem realmente, pois a nossa percepção deles é clara; mas não são como a multidão os imagina, pois a maior parte dos homens não retêm a imagem dos deuses que primeiro recebem. Não é o homem que destrói os deuses da crença popular que é ímpio, mas antes quem descreve os deuses nos termos aceites pela multidão. Pois as opiniões da multidão sobre os deuses não são percepções mas antes falsas suposições. De acordo com estas superstições populares, os deuses enviam grandes males aos perversos, e grandes bem-aventuranças aos íntegros, pois, sendo sempre favoráveis às suas próprias virtudes, aprovam quem é como eles, encarando como estranho tudo o que é diferente."
Carta a Meneceu, tradução- Crítica na rede.

Sobre os deuses

Em todas as culturas há relatos de seres incomuns, que transcendem os limites da matéria comum e são conhecidos por seu poder e por terem o dom da imortalidade. Esses seres são chamados genericamente de deuses. Os deuses recebem vários nomes- anjos, demônios, djinns, orixás, elementais, devas, asuras, alienígenas, espíritos- ou podem ser chamados de deuses mesmo. Mas quem são esses deuses de fato? De onde eles vem e do quê são feitos?

1- Os deuses são feitos de matéria.
Como tudo no Universo, os deuses são corpos materiais, formado por um aglomerado de partículas menores- os átomos. Como em todo ser vivo, átomos são acrescentados, mobilizados, reorganizados e removidos. Se eles introduzirem átomos em seus corpos eles crescerão, e se removerem átomos de seus corpos eles encolherão.

2- A matéria divina é diferente da matéria comum a que acostumados.
A matéria divina possui propriedades diferentes da matéria com que lidamos no dia-a-dia. Ela oferece muito pouca resistência ao movimento. Ao ser energizada, gera campos de atração e repulsão muito mais intensos que os campos gerados pela matéria comum. Assim, precisa de muito menos energia para gerar seus efeitos. A matéria divina também pode armazenar muito mais energia que a matéria comum. Tal combinação a torna muito propícia ao surgimento de processos vitais. Mohamed (Maomé) descreveu tal matéria como "um fogo sem fumaça" (se referindo aos djinns)  ou como "pura luz" (se referindo aos anjos). Mas a verdade é que o ser humano não tem termos adequados para descrevê-la, pois é muito diferente do que ele costuma experimentar no dia-a-dia.

3- Os deuses tem corpos muito especiais
Compatível com as propriedades da matéria que os constituem, os corpos dos deuses são excepcionais. Eles podem viver com baixíssimas quantidades de energia, e ao mesmo tempo são capazes de reter grandes quantidades de energia em seu corpo. Como a matéria divina é muito fluida, pode-se achar que seus corpos são frágeis e altamente propensos à desintegração. Mas a matéria divina, ao ser energizada, adquire a solidez necessária para formar o corpo divino, e em graus muito mais altos que o necessário. Assim, ao contrário de serem frágeis, seus corpos são altamente resistentes. Podem viver longuíssimos períodos de tempo fora do seu ambiente, e percorrer grandes distâncias à grandes velocidades. São altamente habilidosos para manipular a matéria divina, e se fossem como seres humanos comuns, veríamos eles fazendo proezas como erguer pedras pesadas, produzir fogo sem ferramentas e gerar clarões luminosos. Possuem sentidos desenvolvidos e memória prodigiosa, rapidamente aprendendo e quase nada esquecendo, e o pensamento também é muito veloz.

4- Eles são gerados espontaneamente
A matéria divina tem uma tendência muito forte à se organizar espontaneamente em formas vivas. Os deuses não precisam copular para obter prole (embora eles possam unir seus corpos de diversas formas para obter prazer), e são capazes inclusive de gerar prole de forma controlada, apenas manipulando matéria divina ou usando partes do próprio corpo e excreções como semente.

5- Eles tem uma vida muito longa.
Seus corpos resistentes, com poucas necessidades e muito potencial para armazenar energia, garantem que a vida deles se prolongue por eras e sobreviva à inúmeras interpéries do Universo divino. Eles possuem incrível capacidade de regeneração, e estão continuamente reciclando a matéria de seus corpos, renovando-se constantemente. Essa capacidade de renovação impede que eles envelheçam ou adoeçam.

6- Eles não são imortais
Seus corpos, contudo, não são totalmente invulneráveis. Eles podem ser cortados, esmagados, queimados, irradiados e podem até ser privados de alimento. Podem ser devorados por outros deuses e terem seus corpos digeridos. Porém, processos destrutivos exigem muita energia para serem eficazes, e a privação só surte efeito se for imposta por longuíssimos períodos de tempo, e é impraticável, pois uma migalha de alimento divino é suficiente para recompor a energia dos deuses. Contudo, se a sede da consciência for atingida (o equivalente ao cérebro humano), é possível destruir a personalidade deles e as suas memórias. Caso o corpo sobreviva, ele irá se regenerar e criará uma nova consciência, dando origem a um deus novo.

7- Eles são muito antigos.
A vida precisa de muitas condições específicas para surgir na matéria comum, condições que levaram bilhões de anos para surgir e que estão restritas à poucos lugares no Universo comum. E as formas que aqui surgem precisam de muita energia para se manterem, e sofrem muitas influências negativas, tendo dificuldades para se manter por longo tempo. Mas a matéria divina rapidamente se organiza em formas vivas, que tendem à se perpetuar.

8- Eles evoluem, e rapidamente.
Quando um deus nasce, ele rapidamente adquire consciência do meio ao seu redor. Ele começa procurando alimento, mas como se satisfaz muito rapidamente, perde a motivação para procurar comida e entra em repouso. Como não precisa dormir, ele assume uma atitude contemplativa, e aprende rapidamente sobre o si mesmo e o seu ambiente. Ao encontrar com outro deus, não precisa agir com violência, pois não precisa tirar nada do outro para seu sustento (embora os deuses mais jovens possam ser violentos e competitivos). Ele se aproxima dos seus semelhantes e se aglomera, formando uma massa numerosa de deuses. Diante dessa massa surge a comunicação, o aprendizado das línguas divinas (que são muitas), a troca de aprendizados, tudo de forma muito rápida. Em um tempo difícil de mensurar para os padrões humanos (em dias, talvez mesmo horas e minutos), eles estão totalmente amadurecidos.

9- Eles não temem a morte
Instinto de sobrevivência é algo inútil para um ser imortal. É uma experiência tão rara e tão fácil de evitar que a maioria nem pensa ser possível morrer. E como sabem que a morte em si é o fim de qualquer experiência, não a temem, pois sabem que nada de mal os aguarda depois dela.

10- Sua atividade mental pode ser totalmente dirigida para o lazer, a arte e a reflexão.
Pois não precisam resolver problemas concretos para sua sobrevivência. Assim atingem o nível intelectual humano e o ultrapassam muito rapidamente.

11- Eles não possuem tecnologia
Não precisam dela. Seu corpo e sua mente lhe proporcionam tudo que precisam para viver no meio divino. A necessidade é a mãe da invenção, e nada há no universo divino que detenha a vontade dos deuses.

12- Eles são felizes
Pois não passam necessidades, não temem a morte, e conseguem com facilidade o que desejam.

13- Não podem atuar diretamente no mundo comum
O custo energético da atuação no mundo comum é proibitivo. Sua matéria é tão sutil que não poderiam erguer uma pedra

14- Só podem atuar no mundo agindo na mente dos seres vivos
- gerando impressões sensoriais e pensamentos, guiando movimentos e, em casos extremos, se apoderando da vontade do ser vivo.

15- A maioria dos deuses não interfere na vida humana.
Pois não precisam disso, nada ganham com isso, e no mundo divino possuem coisas muito mais interessantes para fazer. Além disso, a intervenção exige muita inteligência, exige o afastamento do plano divino, e exige muito estudo do espécime humano e dos seus mecanismos cerebrais. Além disso, o gasto energético para fazer isso é muito alto, embora menor do que tentar modificar objetos inanimados.

16- E aqueles que interferem o fazem por motivos próprios e de forma pouco consciente.
A maioria apenas observa os seres humanos, por curiosidade. Se ajudam, é porque querem ajudar, e o fazem por pouco tempo. E se fazem mal, fazem por brincadeira ou por zombaria. E em todos os casos, eles o fazem por pouco tempo, pois perdem o interesse muito rápido e logo voltam para o plano divino.

Tipos de deuses:

- Primordiais: deuses jovens, concebidos espontaneamente pela matéria divina. Geralmente representados como filhos do caos, ou deuses caóticos. São movidos por impulsos mais simples. São semelhantes aos Titãs da mitologia grega. Podem ser controlados por outros deuses.

- Devoradores: Geralmente derivados dos primordiais, são muito vorazes, consumindo bastante energia divina, e até agressivos, tentando devorar outros deuses menores. Possuem mentalidade limitada e são dominadores. Eventualmente acabam regurgitando o alimento e os deuses devorados. Também podem liberar energia de forma explosiva, percorrendo enormes distâncias em curto espaço de tempo, mudando aleatoriamente sua localização no espaço. Se entram em contato com seres vivos comuns, podem ficar curiosos e passar a estudar e interferir em seus processos mentais, embora de forma limitada, porque precisam retornar ao plano divino para se alimentar

- Obsessores: Deus que desenvolveu interesse intenso por seres vivos do plano terreno. Pode ser de qualquer tipo, embora comumente sejam do tipo devorador ou rejeitado. Pode ter um interesse mais generalista, ou então focar em indivíduos em particular. Geralmente são jovens e com pouco contato com outros deuses e com o plano divino. Costumam perder o interesse como tempo e principalmente quando começam a interagir com outros deuses.

- Deuses amadurecidos: deuses que adquiriram inteligência. Não são vorazes e nem agressivos, e se comunicam intensamente com outros deuses- desse modo inconscientemente educam os deuses mais jovens e aceleram o amadurecimento deles. É a fase mais avançada da evolução divina. Todos os seus atos são deliberados, e não são controlados por agentes externos. E de modo geral não interferem na vida humana. São os exemplares mais felizes da espécie, e do universo.

- Deuses rejeitados: são formados por partes de outros deuses que foram extirpadas por serem consideradas indesejáveis. Essas partes podem adquirir consciência. Por serem formados por qualidades negativas, eles representam o tipo mais problemático de deus. Porém, são também passiveis de amadurecimento.

- Deuses concebidos: são criados por outros deuses, por meio de combinações e replicações de traços de personalidade e de memórias. Podem ter algo grau de maturidade, ou serem criados imaturos. podem ser concebidos involuntariamente, ou com um propósito.

Fenômenos que ocorrem no plano divino

- Canibalismo: geralmente apenas partes dos deuses são devoradas. Quando um deus é engolido, ele precisa se defender do processo digestório do seu predador. Se for forte o suficiente, ele forçará sua saída sem grandes danos. Se não for forte o suficiente para sair, ele pode formar uma casca, protegendo a sede da sua consciência e adormecendo. Nessa condição ele perde grande parte da sua substância para o devorador, mas se protege da destruição e poderá se recompor novamente quando for removido do corpo do devorador. Agora, se o deus for fraco ou não resistir ao processo de digestão, sua consciência será digerida e ele deixará de existir. É comum partes da consciência devorada serem assimilados pela consciência do devorador.

- Auto-imolação: se um deus voraz consumir muita matéria divina, ele poderá sofrer um processo de ruptura, liberando essa matéria, geralmente causando o nascimento de outros deuses, ou de uma matéria muito mais nutritiva e propícia para a concepção divina. Nessas situações, raramente o deus é destruído ou morto, embora isso seja possível. Deuses devoradores, ao se romperem, podem liberar as vítimas devoradas que resistiram à digestão. 

- Fusão: dois ou mais deuses se unem. Se as sedes de consciências se fundirem, a união será irreversível e um novo deus surgirá, contendo memórias dos deuses originais.

- Fissão: é o processo reverso ao da fusão. A fissão de consciência pode ser involuntária, quando o deus acumula muitas memórias e precisa se desfazer delas, quando eles são tomados por emoções fortes, ou quando ele sofre algum tipo de trauma físico. Ou pode ser usada pelo deus para se aprimorar e remover memórias e traços de personalidade indesejáveis. Nesse caso há uma chance de o produto rejeitado adquirir consciência própria e se tornar um deus rejeitado.

- formação de sociedade: deuses são seres naturalmente gregários. Eles se juntam em grandes números e elegem líderes para si. Podem até fazer guerras, tentando destruir ou devorar os oponentes, embora via de regra busquem não tenham motivo para batalhar e prefiram a negociação com o oponente. Mas essas sociedades de modo geral são pacíficas. Os deuses se envolvem em muitos passatempos coletivos, como esportes de todos os tipos, jogos mentais, música, poesia e narrativas, e também desfrutam do contato corporal com outros deuses.

Os relatos de batalhas mitológicas são derivados de batalhas que ocorreram no plano divino. Essas batalhas são eventos raríssimos, pois os deuses não possuem nenhuma necessidade forte o suficiente para impelí-los à guerra. Guerras geralmente são provocadas por deuses imaturos ou rejeitados, mas estes perdem seu temperamento agressivo após a maturidade. Suas durações e consequências, em termos divinos, são muito inferiores às guerras humanas. 


O que é o Epicurismo?

O Epicurismo é um conjunto de ensinamento que foi elaborado por Epicuro de Samos, um filósofo grego que viveu no século IV a.C.. Tinha como objetivo promover a felicidade do ser humano, por meio da apreciação dos prazeres da vida, da prudência e da libertação do medo, da ansiedade e dos desejos inúteis.

Para Epicuro, todo prazer era bom e toda dor era ruim, porém nem todos os prazeres devem ser buscados, pois trazem consigo dores maiores, assim como nem todas as dores podem ser evitadas, pois trazem consigo prazeres maiores. Por meio da prudência, o ser humano seria capaz de trabalhar pelo que é bom e evitar o que é mau, evitando as causas de sofrimento e aumentando sua felicidade. Portanto o Epicurismo não prega uma busca inconsequente e desregrada do prazer. Esse é um erro comum ao se estudar a doutrina epicurista, e também é um argumento usado por seus adversários para atacá-lo.

Os sentidos seriam a chave para obter o conhecimento do mundo. Nossa mente pode elaborar teorias e deduções, mas são os sentidos e a experiência que permitem alcançar o verdadeiro conhecimento da realidade (Empirismo). Porém, os sentidos são limitados, de modo que causas sensíveis podem provocar efeitos insensíveis e vice-versa. Através do estudo sistemático da realidade material (o que atualmente chamamos de Ciência), é possível através do que é sensível conhecer aquilo que é insensível na Natureza.

Baseado em Demócrito, Epicuro defendeu o atomismo, teoria que defende que toda matéria do Universo é formado por átomos, e que todos os fenômenos observados eram resultados da movimentação desses átomos e das interações entre eles. Não havia uma explicação para a origem dos átomos, mas se afirmava que eles possuem uma grande variedade, que existem em números incontáveis e que seu surgimento remonta há épocas muitíssimo antigas. Embora não houvesse meios de provar tais teorias na época, elas se provariam corretas, embora de modo bem diferente que o previsto por esses filósofos. Mas Epicuro foi mais além, e atribuiu aos átomos todos os fenômenos da natureza, incluindo a consciência humana. A alma (psiquê) humana também seria formada por átomos, portanto não era incorruptível, mas estaria sujeita à mudança e à destruição. A alma seria um produto da atividade do corpo, sendo que a morte causaria a sua destruição. Portanto, Epicuro não acreditava em uma vida após a morte. Ele inclusive defendia que a crença na imortalidade da alma causava muitos males ao ser humano, que passaria a temer a morte e  os possíveis castigos que ela reservava. Abandonar o medo da morte, para Epicuro, era uma condição necessária para alcançar a felicidade.

Quanto aos deuses, Epicuro via os deuses adorados pelos gregos antigos como inexistentes, nascidos do medo, da ignorância e fonte de inúmeras superstições. Afirmou que existiam de fato deuses, mas que esses em nada se assemelham aos deuses dos mitos. Os deuses seriam seres que habitariam outros planos de existência, sendo constituídos de átomos, como qualquer coisa no Universo. Porém, esses átomos seriam de natureza e organização tal que permitiriam aos deuses viver uma vida longa, prazerosa e com poucos sofrimentos. Eles não estariam relacionados aos fenômenos naturais ou à criação do Universo, mas seriam apenas outra categoria de seres vivos que habita o Universo, como as plantas e os animais. E o fato de suas manifestações serem incomuns (para não dizer inexistentes) se deveria porque eles não tem interesse pelo ser humano (visto estarem em uma condição privilegiada de felicidade), serem incapazes de interagir com nosso plano de existência (pela distância ou devido sua constituição material singular), ou mesmo por desconhecerem a existência de nosso mundo e do ser humano. Assim, os deuses não precisariam ser temidos, visto que não podem nos fazer mal e nem teriam interesse nisso. Também não precisariam ser adorados, com rituais, sacrifícios e restrições inúteis impostas aos devotos. De nada adiantaria fazer-lhes pedidos, visto que não teriam como ouvir ou agir- principalmente se fossem pedidos que os devotos tivessem condições de realizar sem auxílio divino. Eles deveriam ser vistos como seres felizes e realizados, de modo a inspirar os seres humanos a tentar alcançar esse estado de felicidade que os deuses desfrutavam.

Epicuro viajou por vários lugares, até que se estabeleceu em Atenas com sua escola de seguidores. Eles construíram um jardim, onde se praticava uma agricultura de subsistência, de modo a conseguir satisfazer as necessidades daqueles que ali viviam. Seu jardim era um convite para deixar a vida agitada da sociedade, com toda a sua pompa, suas exigências, toda sua ansiedade e artificialidade, para viver de forma pacata, sem luxos e ambições, mais próximo da natureza, trabalhando apenas para garantir seu sustento, enquanto se ocupava com a filosofia e se cultivava a amizade com aqueles que ali viviam. Epicuro propunha aos seus seguidores um estilo de vida tranquilo e simples. Para quê se aborrecer com a cobiça, a vaidade, as disputas de poder, os modismos, a busca por status e reconhecimento, se o homem precisa de tão pouco para viver e ser feliz? E Epicuro não fazia distinção entre pessoas, aceitando em sua comunidade mulheres, escravos e estrangeiros. A busca por um estilo de vida livre e autossuficiente se mostrou muito valioso, quando um cerco à Atenas montado por Demétrio resultou em escassez de comida e trouxe fome à cidade. Mas Epicuro e seus discípulos conseguiram sobreviver ao cerco, "contando os feijões". A organização em jardins e comunidades rurais foi a "marca registrada" da escola epicurista.

O Epicurismo é uma doutrina filosófica que busca promover a felicidade humana de modo prático, tentando encontrar as causas do sofrimento do ser humano e procurando no próprio ser humano a solução dos seus problemas. Estudá-lo e mesmo praticar alguns de seus princípios pode ser a chave para promover uma vida mais tranquila e feliz. A depressão e a ansiedade são conhecidas como as grandes doenças do século XXI, então o estudo da felicidade é mais urgente do que nunca. E como o próprio Epicuro disse a Meneceu: "nunca é demasiado cedo nem demasiado tarde para cuidar do bem-estar da alma. O homem que diz que o tempo para este estudo ainda não chegou ou já passou é como o homem que diz que é demasiado cedo ou demasiado tarde para a felicidade". Portanto, estudem.

Até breve.

http://filosofia-bis.blogspot.com.br/2012/02/o-jardim-de-epicuro-e-suas-nove.html

http://newepicurean.com/epicurus/gassendis-epicurus/gassendis-epicurus-part-1-life-of-epicurus/

http://criticanarede.com/meneceu.html

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Erros comuns sobre o Epicurismo

Epicurismo segundo o dicionário:

1. doutrina do filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.) e seus epígonos, caracterizada por uma concepção atomista e materialista da natureza, pela busca da indiferença diante da morte e uma ética que identifica o bem aos prazeres comedidos e espirituais, que, por passarem pelo crivo da reflexão, seriam impermeáveis ao sofrimento incluído nas paixões humanas.
2. o modo de viver, de agir, de quem só busca o prazer; sensualidade, luxúria.
3. desregramento de costumes, falta de temperança; devassidão, libertinagem.

Dois exemplos de como o Epicurismo tem sido interpretado pela cultura popular:

http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/epicureia.htm

Edward Sellon. O novo Epicuro- As delícias do sexo.

A primeira definição é a mais condizente com a realidade. Mas as outras definições, criadas pelos opositores do epicurismo em 2300 anos de história, tem sido muito divulgadas, gerando no público uma impressão errada dessa doutrina. Para ter uma melhor compreensão do Epicurismo, devemos esclarecer os principais mitos e enganos associados à ele:

- O Epicurismo prega apenas o prazer como modo de vida
O prazer é importante para Epicuro sim, desde que seja apreciado com prudência. O prazer irresponsável pode trazer consigo sofrimentos, e a busca por prazeres inúteis ou difíceis de alcançar causaria ansiedade, o que na verdade até dificulta a busca pela felicidade. O prazer deve ser apreciado sim, desde que de forma responsável.

- Os prazeres a que Epicuro se refere são os prazeres sexuais, a comida, a bebida, o luxo e as orgias
Antes de mais nada, o estilo de vida epicurista é simples. O epicurista é encorajado à lutar pelas coisas que necessita. O luxo até é bem-vindo, mas o apego e a cobiça pelo luxo não, pois fazem a pessoa sofrer sem necessidade. E os prazeres que Epicuro se referem não são apenas esses prazeres sensuais que os oponentes referiam. Entre os prazeres mencionados por Epicuro, tem o prazer da amizade, de ajudar os amigos, o prazer da filosofia, a ausência de dor; e o prazer mais importante seria a ataraxia, ou tranquilidade, pois pode ser desfrutado independente dos problemas em que a pessoa se encontra. Mostrando que o Epicurismo está aberto aos prazeres da alma. Ademais, Epicuro incentivava a prudência, e desaconselhava abusos na busca do prazer, para evitar possíveis sofrimentos. Devemos desfrutar do prazer sem sermos dominados por ele.

- O Epicurismo é a favor da embriaguez e do uso de drogas
Os seguintes sofrimentos podem ser decorrentes do uso das drogas: vício (um desejo forte e inútil, causa de perturbação), atitudes irrefletidas motivadas pelos efeitos da droga, dano à saúde física e mental, diminuição da capacidade cognitiva e do poder de reflexão, problemas com a lei e a sociedade. Diante das drogas, o epicurista deve se perguntar: conheço bem aquilo que estou consumindo? Quais os efeitos desejados e quais os riscos que essa droga apresenta? Sou capaz de desfrutar esses prazeres e ao mesmo tempo evitar esses sofrimentos? É possível alcançar prazeres similares à esses mas sem os mesmos riscos e sem os mesmos custos? Se eu estiver perto de perder o controle, terei o discernimento, a força de vontade e o apoio para sair, antes que o vício tome conta de mim? Para o epicurista, trata-se apenas de um cálculo prudente e com muitas variáveis práticas. Nem todas as drogas são iguais. Mas, como de modo geral todas podem ser prejudiciais, a postura mais prudente (e mais fácil) é a abstinência.

- O Epicurismo apregoa o ateísmo.
Os escritos originais de Epicuro não permitem tirar essa conclusão. Se Epicuro foi ateu, este fato ele ocultou de seus seguidores. Na verdade Epicuro não acreditava nos deuses que eram adorados pelo povo da época, e via o temor à esses deuses como um medo irracional, uma superstição. Epicuro descrevia os deuses como seres compostos por átomos, porém numa condição superior à do ser humano, com uma vida mais longa, desfrutando de maiores prazeres e livres de muitas das dores que afligem o ser humano. Estando em tal estado de bem-aventurança, não haveria porque os deuses fazerem mal ao homem ou se preocuparem com os assuntos mundanos. Ademais, como eles não se fazem visíveis, é provável que eles nem possam ser alcançados ou conhecidos. Porém, muitos epicuristas foram ateus e atacavam abertamente as religiões instituídas. Eu, pessoalmente, acho que a pessoa que se interessa pelo Epicurismo pode cultivar uma espiritualidade, desde que essa lhe traga bem-estar e crescimento pessoal. Não se admitiria práticas espirituais que tragam consigo o medo dos deuses, o medo da morte, o medo do invisível, a superstição e que tragam restrições à liberdade individual e ao pensamento crítico.

- O Epicurismo é contra o casamento e a família, e pregava o sexo livre
Epicuro não era a favor do sexo livre, pelo contrário. Sobre o sexo, ele teria dito: "O sexo não traz benefícios; mas é desejável, desde que não provoque dano". Os danos e as ansiedades que o sexo pode trazer (principalmente em épocas e lugares que não possuem métodos de proteção e anticoncepção disponíveis) são muito grandes. O sexo é um desejo natural e necessário para a preservação da espécie, e por si só é uma coisa boa. Porém, não é essencial para a vida do indivíduo nem considerado fundamental para alcançar o estado de felicidade. Agora, quanto à família, essa é uma necessidade natural, principalmente na infância, quando as crianças precisam ser cuidadas e educadas, do contrário não poderão sobreviver, se desenvolver e se integrar à sociedade. E se a família cumprir essas funções, a forma que ela assume não é relevante. Além disso, os laços de amor e amizade que se formam dentro de uma família são muito bons para promover a felicidade.

- O Epicurismo é subversivo, contra as leis e contra os costumes.
Os epicuristas encorajavam o pensamento crítico e a reflexão sobre as crenças e costumes da sociedade. Porém, eles não opunham aos costumes que achavam úteis para promover a paz e o bem-estar social. Um exemplo disso são as leis contra o roubo e o assassinato, que com certeza são úteis e devem ser obedecidas. Recomenda-se obedecer aos costumes bem estabelecidos por uma questão de conveniência, para poder conviver tranquilamente com os integrantes da sociedade e evitar escândalos. O que o epicurista questiona de fato é a legitimidade desses costumes: uma lei ou um costume não deve ser considerado legítimo só porque faz parte da tradição ou porque tem a sanção de uma autoridade, mas sim por que a obediência traz consigo resultados práticos.

O Epicurismo busca desfrutar um prazer comedido, e incentiva a reflexão antes da ação. Busca a felicidade do ser humano, e busca educá-lo, de forma que este saiba como ser feliz e evite causar sofrimento a si mesmo e aos outros. Não se baseia na autoridade de um filósofo, nem exige que se acredite em tudo que se é ensinado, antes encoraja o pensamento crítico. A pessoa que seguir esses princípios não fará isso por obrigação ou fascinação, mas porque concluiu por si mesma de que eles são coerentes com a realidade e úteis para alcançar a felicidade. E eu, pessoalmente, acredito no potencial transformador dessa filosofia na vida das pessoas, e é por isso que tento aplicá-los no meu dia-a-dia. E agora, pretendo fazer com que essa filosofia seja mais conhecida, começando por esse blog que escrevo. Espero que o que está escrito aqui ajude as pessoas a serem mais felizes, motive elas a promover a felicidade do ser humano ou que de alguma forma traga coisas boas em suas vidas.

Até breve.

terça-feira, 30 de agosto de 2016

Bibliografia

Bibliografia epicurista

Epicuro foi um escritor prolífico, e teria escrito mais de 300 cartas e pergaminhos. Porém, são poucos os materiais originais que foram preservados até os dias atuais. Nesse post, estou colocando links para acessar as traduções desses materiais (quando possível em português, minha língua mãe). Além disso, posto também materiais de outros filósofos e escritores, e também blogs e sites que acessei para compor o meu blog (vou ter o cuidado de sempre citar os materiais que não são originais). Pode ser que eu poste traduções de alguns materiais, tudo vai depender do meu tempo e da minha vontade. Espero que com esse material seja possível elaborar uma concepção clara sobre o Epicurismo.

Escritos de Epicuro e  outros epicuristas

Testamento de Epicuro (inglês): http://www.epicurus.net/en/will.html

Cartas de Epicuro:
- A Heródoto: http://sociedaderacionalista.org/2011/08/29/traducao-carta-de-epicuro-a-herodoto/
- A Meneceu: http://portalveritas.blogspot.com.br/2009/07/epicuro-carta-meneceu.html
- A Pítocles (inglês): http://www.epicurus.net/en/pythocles.html
- A Idomeneu (inglês): http://www.epicurus.net/en/idomeneus.html

Citações Vaticanas:

Máximas Capitais:

A natureza das coisas (De rerum natura), Lucrécio:


Blogs e sites

http://eticaepicurista.blogspot.com.br/

https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2015/02/16/hedonismo-epicurista-e-a-verdadeira-sabedoria/

https://razaoinadequada.com/2015/03/05/epicuro-e-possivel-obter-prazer/

https://razaoinadequada.com/2016/07/13/epicuro-o-que-e-psicologia/

http://societyofepicurus.com/

Universidades, enciclopédias e acadêmicos

https://en.wikipedia.org/wiki/Epicureanism

https://pt.wikipedia.org/wiki/Epicurismo


Livros



Miscelânea (Ciência, Psicologia, Política, Filosofia e outros)

(Essa postagem estará em construção permanente, será atualizada sempre que eu julgar necessário).

Sobre o blog

Esse blog foi criado para divulgar o Epicurismo e expressar minhas opiniões sobre o tema. Sou um leigo em Filosofia, e conheço o Epicurismo há pouco tempo, mas ele me chamou atenção por sua proposta simples e objetiva- buscar a felicidade humana. Ele não se firma em uma autoridade mas busca se basear em fatos objetivos, observáveis e passíveis de verificação para buscar a felicidade e reduzir o sofrimento humano. O epicurismo não traz consigo promessas que não pode cumprir, mas busca uma felicidade baseada na realidade como ela se apresenta. A felicidade pode ser alcançada aqui e agora, desde que saibamos onde e como procurar.

Advirto ao leitor que tomarei a liberdade de discordar de alguns aspectos da doutrina epicurista e de escrever opiniões pessoais sobre os temas aqui apresentados. Mas sempre que o fizer procurarei deixar isso claro e citarei as fontes em que me baseio para emitir essas opiniões.

O Epicurismo teve por séculos uma gama importante de seguidores (e oponentes). Devido às perseguições sofridas, caiu na clandestinidade e no esquecimento, mas teve um ressurgimento na Era Moderna, e inspirou filósofos e pensadores importantes (os exemplos que me recordo são Locke, Thomas Jefferson, Nietzche, Schopenhauer e Marx), assim como inspirou movimentos importantes nos últimos séculos, como a Revolução Francesa, a Psicologia Moderna e o Humanismo.

Divulgando o Epicurismo, espero fazer com que a doutrina seja mais conhecida, que os leitores encontrem nela conselhos valiosos para a busca da felicidade e espero também encontrar pessoas que tenham simpatia ou interesse pelo tema. Mas só discutir essa filosofia não basta, é preciso que ela tenha efeitos práticos, tanto na vida dos indivíduos quanto na vida daqueles que lhes são próximos. Então, segundo as orientações do próprio Epicuro, recomenda-se que quem tomar conhecimento desses ensinamentos busque examiná-los bem mas também tente aplicá-los no dia-a-dia, de forma prática e prudente, de modo a tornar sua vida e a das pessoas que lhes são queridas melhor e mais feliz.

Em breve farei mais postagens. Estou aberto à críticas e sugestões. Até logo.