segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Metafísica epicurista

Epicuro é conhecido por ensinar o atomismo, baseado nos ensinamentos de Demócrito. Esse atomismo possui pouca correlação com o atomismo atual, visto que naquela época não se dispunha da ciência necessária para examinar o problema e comprovar essa teoria. Porém, baseado nessas teorias, Epicuro buscava estabelecer um sistema filosófico que, através do estudo da natureza, pudesse orientar o ser humano na busca pela felicidade e pudesse fornecer diretrizes para o seu comportamento e sua interação com outros seres humanos. Pois, ele entendia que um conhecimento constituído por fatos não observáveis ou não comprováveis constituiria uma base frágil e questionável para instituir um modo de vida ou estabelecer padrões éticos e de conduta.

Os antigos elaboraram várias teorias sobre a origem do Universo e da matéria que o constitui. Fora as explicações fornecidas por mitos e religiões, vou mencionar os pensadores e filósofos que tentaram dar uma explicação racional para essa questão. Tales de Mileto acreditava que o Universo era formado por água. Anaxímenes de Mileto acreditava que a matéria básica era o ar. Havia os que acreditavam nos quatro elementos, água, terra, fogo e ar, como Empêndocles. Alguns, como Aristóteles, mencionavam um quinto elemento, o éter. Os chineses falavam de cinco elementos distintos da tradição européia: água, fogo, terra, madeira e metal. A doutrina Samkhya, falava dos três gunas, ou qualidades, que constituiriam os cinco elementos materiais. E havia aqueles que atribuíam a origem do Universo à coisas imateriais.  Aristóteles, além dos cinco elementos, também falava do "primeiro motor", a força que teria dado início a todos os movimentos do Universo. Anaximandro falava no arché, a fonte de todas as coisas, infinita em si mesma e indescritível em termos materiais. Platão falava do mundo das idéias, que constituiria a natureza fundamental do Universo e do qual o mundo em que vivemos seria uma representação imperfeita. Os chineses acreditavam no qi, ou força vital. Os exemplos são inúmeros.

Os atomistas (sendo o mais conhecido por nós Demócrito), porém, ensinavam que o Universo era formado por pequenas unidades fundamentais, os átomos. Os átomos teriam grande variedade entre si, não poderiam ser destruídos e existiriam no Universo em uma quantidade inumerável. Situados no espaço vazio, eles estariam em constante movimento e os corpos e fenômenos do Universo seriam gerados pela movimentação, colisão, união e separação desses átomos.

O conceito que mais se destaca nessa doutrina atomista é de que todos os corpos são constituídos de átomos, de modo que não se permite a existência de entidades imateriais. Se existe, deve ser formada por algo (átomo), a única coisa que não é formada por algo é o nada (vazio). De modo que não há uma causa imaterial para o Universo. E entidades que julgamos ser imateriais (como os deuses e a alma) são na verdade formado por átomos também. Para Epicuro, a alma era um ser material, formada por uma matéria diferente da matéria corpórea, porém intimamente associada ao corpo, de modo que o que afeta o corpo afeta a alma e vice-versa. Corpo e alma estão tão intimamente ligados um ao outro que a morte do corpo resulta na destruição da alma, o que faz com que, do ponto de vista físico, a sobrevivência da alma após a morte seria impossível. Epicuro então não acreditava na vida após a morte, e atribuía os fenômenos da alma (psiquê) à causas totalmente físicas. Isso sem saber nada sobre anatomia ou fisiologia do sistema nervoso (ele acreditava que a alma habitava o peito, como muitos de sua época). Porém, para ele, era muito mais provável a extinção da alma após a morte do que a sua sobrevivência. De modo que ele reprovava qualquer ensinamento que incutisse o medo da morte nas pessoas, como os castigos divinos após a morte. Ele teria se oposto à crença platônica de reencarnação em formas inferiores de vida para os que cometiam maldades (embora não haja nenhum documento da sua época atestando isso). Importava para Epicuro que o homem vivesse despreocupado com a sua morte e não fizesse nem deixasse de fazer nada motivado pelo medo do que se sucederia à ela.

Quanto aos deuses, Epicuro também ensinava que eles eram formados por átomos. Seriam inteligentes como os humanos, mas, ao contrário deles, seus corpos são constituídos de tal forma que eles são capazes de viver por muito mais tempo, sendo na  prática imortais. Como no nosso mundo não podemos observar diretamente tais seres, eles devem viver em outra região do Universo, que Epicuro chamou de Intermundos. Portanto, eles não seriam responsáveis pelos fenômenos que ocorrem no nosso mundo, explicáveis de modo racional pelo exame da natureza. É provável que eles nem possam entrar em contato direto conosco, o que faria da adoração à eles algo inútil. Além disso, esses seres, devido à sua natureza especial, não padecem das necessidades que nos afligem, nem são acometidos por medos ou inseguranças. Assim, eles são extremamente felizes, não tendo interesse em nos causar sofrimento, nem tendo qualquer ganho com adorações e sacrifícios.

Mas não é com esses deuses que Epicuro está preocupado. Epicuro atacava as crenças nos deuses que existiam entre o povo, que os via como seres perturbados, irascíveis, acometidos por diversas paixões, manipuláveis por meio de rituais e subornáveis com oferendas. Isso geraria nas pessoas um medo sem fundamento, que só servia para gerar ansiedade e as tornavam susceptíveis à superstições e ao charlatanismo. Além do que, uma conduta que Epicuro atacava abertamente era a tendência que as pessoas tinham de pedir aos deuses por coisas que podiam ser conquistadas com o esforço humano. Essas eram consequências negativas da crença infundada nos deuses, que Epicuro queria que seus discípulos evitassem.

Alguns estudiosos afirmam que Epicuro não pregava contra a existência dos deuses para evitar represálias. Mas é provável que Epicuro tenha ensinado sobre a existência de tais seres simplesmente porque não conseguia ignorar o fato de a crença nesses seres ser tão presente entre os humanos. Ele teria passado aos seus alunos instruções para que respeitassem as crenças religiosas do povo grego, e inclusive teria participado de festivais e outras cerimônias religiosas. Para ele, bastava que o indivíduo não temesse os deuses, para que isso não atrapalhasse a sua felicidade. Porém, muitos de seus seguidores teriam sido ateístas. Inclusive, um argumento famoso contra o teísmo é chamado de Paradoxo de Epicuro (embora tudo indique que não tenha sido Epicuro o criador desse paradoxo). De fato, a crença nos deuses é totalmente dispensável para o ensino epicurista.

Essa visão sobre a natureza (Física ou Fisiologia) era o fundamento do pensamento epicurista. E não temer os deuses, nem temer a morte, fazia parte do "tratamento" prescrito por Epicuro para combater a felicidade (o tetraphármakon, ou remédio quádruplo). Isso será o tema de outra postagem.

Até breve.

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