“Viva uma boa vida. Se Deuses existirem e eles forem justos, então eles não vão se importar com o quão devoto você foi, mas vão lhe acolher baseado nas suas virtudes vividas por você. Se Deuses existirem, mas injustos, então você não deve querer adorá-los. Se Deuses não existirem, então você partirá, mas terá vivido uma nobre vida, que irá perdurar e continuar nas memorias dos seus amados.”
Marcus Aurelius, imperador romano, 121-180 D.C.
Embora a influência de Marcus Aurelius tenha sido mais provavelmente o Estoicismo, tal fala é muito compatível com o pensamento epicurista, particularmente com o primeiro remédio (não temer os deuses). Vale lembrar que esse imperador participava dos cultos aos deuses romanos e encorajava seus súditos a fazer o mesmo. Vamos então esmiuçar a expressão acima:
- Um deus justo não se preocupa com devoção, mas com justiça e virtude: um deus justo não se preocupa com tabus, rituais e prescrições religiosas, mas com caráter e atitude. Se ele for de fato justo, a adesão a regras religiosas seria vã para pessoas de má índole. O destaque para as virtudes vem do Estoicismo, que as considera como absolutas (coragem, generosidade, justiça, temperança, entre outras) e que por si só trazem felicidade aos seres humanos. Tal pensamento não se faz presente no Epicurismo, que recomenda boas condutas por motivos práticos (basicamente evitar problemas com outras pessoas) e não tem um conceito bem-definido de virtude.
- Um deus injusto não deve ser adorado: um deus pode ser injustamente bom ou injustamente ruim. Um deus injusto tenderia a ser egoísta, ingrato e caprichoso. Há também a possibilidade da divindade ser indiferente, sendo essa uma idéia muito presente no Epicurismo. Partindo do princípio de que tal deus não dependa do ser humano para existir, interagir com tal entidade seria uma fonte mais de problemas e preocupações do que bênçãos e recompensas. Nesse caso, é até melhor evitar chamar a atenção de tal divindade, para que ela não venha a causar problemas para as pessoas.
- Um bom viver lhe renderá bons frutos, quer os deuses existam ou não: Marco Aurélio aponta uma boa memória como um benefício de uma boa vida. Se tal memória não beneficia diretamente o detentor de um bom nome, pelo menos beneficia sua família, seus amigos e os ideais pelos quais essa pessoa lutou. E mais, se uma pessoa vive uma vida boa, sem provocar mal ao seu próximo, terá menos inimizades, menos preocupações, menos pessoas fazendo oposição aos seus planos e assim terá mais possibilidades para alcançar seus objetivos e viver em tranquilidade. E isso ocorrerá por motivos práticos e por causas evidentes. Embora não seja possível garantir que uma pessoa boa tenha uma vida boa, as chances disso acontecer são com certeza maiores para os bons do que para os maus.
Essa expressão atribuída a Marco Aurélio ajuda a expressar de forma sucinta e clara o pensamento epicurista relativo a Deus (ou deuses e outras divindades). Nota-se que a existência ou não dos deuses se torna algo irrelevante perante tal pensamento, o que é bom, visto que há muita controvérsia a esse respeito. Devemos considerar que uma boa conduta sempre nos recompensará de alguma forma, pois isso nos manterá motivados a agir bem, independente de nossas crenças. Isso também pode ajudar a orientar e dialogar com pessoas que tenham crenças diferentes das nossas, e a chegar a consensos que permitam uma convivência pacífica, apesar das diferenças.
Até breve.